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ENTRADA TRIUNFAL
Céu de estrelas, dentro e fora de casa
texto por Raul Barreneche
SÃO PAULO, Brasil – No Brasil, Fernando Altério é conhecido como Rei do Espetáculo. Produz apresentações de ícones musicais do calibre de Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso, intérprete e compositor com participação musical no filme de Pedro Almodóvar, ”Fale com Ela”.
Depois do espetáculo, Altério, 50, gosta de levar o pessoal dos bastidores para casa. As festas em sua casa no Jardim Europa, bairro elegante com residências cercadas por muros altos, raramente se iniciam antes da meia-noite. A sala com pé direito duplo de Altério proporciona o ambiente de descontração em que músicos, amigos e modelos bebericam uísque e champanhe até as primeiras horas da manhã. Uma arcada branca funciona como enorme proscênio e emoldura a área de jantar. Do mezanino acima da arcada os convidados podem observar a multidão. Quando Altério abre as portas de vidro corrediças de seis metros de altura, a vasta de sala de estar se transforma em majestosa varanda a céu aberto. Acordes de jazz brasileiro acompanham os convidados à medida que se espalham pelo jardim e pátio com piscina, tendo um muro de pedras lisas ao fundo.
O idealizador da mansão de US$ 1,3 milhão de Altério é Isay Weinfeld, arquiteto de São Paulo, cujos amplos e arrojados espaços atraem admiradores influentes e comparações com Oscar Niemeyer, criador da marca inconfundivelmente brasileira da arquitetura moderna em Brasília e outras cidades há mais de 40 anos. O sucesso de Weinfeld resulta do emprego de texturas e materiais brasileiros, gerando um aconchegante modernismo tropical que funciona como antídoto ao gélido minimalismo monástico dos últimos anos.
As residências, lojas e galerias projetadas por Weinfeld para influentes personalidades do mundo da moda e do entretenimento são amplos espaços, bem ao gosto brasileiro pelo belo e arrojado. Para Weinfeld, ”a arquitetura deve surpreender, emocionar, fulminar”. Gostaria de poder realizar projetos de arquitetura de forma tão natural quanto é cantar para João Gilberto, desenhar moda para Paul Smith, refletir para Caetano Veloso e sorrir, para minha filha”.
A atriz Carolina Ferraz e o diretor de ”O Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco, fazem parte de sua carteira de clientes.
”Isay é discreto como um médico”, afirma Babenco. ”Nunca tece comentários sobre seus clientes. Não entra no jogo dos ricos e famosos. Apesar de sofisticado, é muito austero”.
Com sua postura descontraída, camisa esporte e barba bem aparada, Weinfeld parece mais um simpático professor de música do que arquiteto. O apartamento de dois quartos que divide com a filha Paula, 21, atriz que está estudando cinema, revela sua preferência pela simplicidade. O apartamento, em um despretensioso edifício dos anos 1950, é mobiliado com mesas e cômodas de madeira brasileira do século 18 no despojado estilo shaker, cadeiras de meados do século 20 e coleções de peças de época (vintage) de vidro azul. ”Adoro descobrir peças simples de diferentes períodos”, diz Weinfeld.
As paredes são adornadas por telas monocromáticas de sua pintora preferida, a suíça Mira Schendel. ”Adquire principalmente obras em branco sobre branco, mas também levemente matizadas”, conta Luisa Strina, renomada marchand brasileira. Weinfeld vem adquirindo de Strina obras de arte para si e seus clientes desde que se conheceram em 1974. Projetou a reforma de US$ 70 mil da galeria de Strina, reaberta em março passado com uma imponente fachada de estuque preto para contrabalançar o interior em tons neutros, na elegante Oscar Freire em São Paulo.
Seu projeto para a Forum, principal butique do estilista de moda Tufi Duek, concluído em 2000 na sofisticada área de compras de São Paulo, é uma mescla de discrição e exuberância tropical. Depois de cruzar um espaço monocromático – branco sobre branco nos pisos, paredes e teto – com as roupas expostas discretamente nas laterais, os clientes deparam com um átrio de pé direito duplo e uma escada recoberta por vidrilhos vermelhos, em uma memorável interpretação brasileira dos degraus por onde Marilyn Monroe escapa em ”Os Homens Preferem as Loiras”.
Os degraus conduzem a um balcão singelo com banquetas de madeira rústica, onde os clientes podem degustar uma taça de vinho ou xícara de café expresso. Ao fundo, confeccionada manualmente, ergue-se uma parede de taipa, o mesmo material de construção utilizado no norte do Brasil.
”Existem muitas semelhanças entre meu trabalho e a loja”, conta Duek. ”Queria algo moderno, mas com características brasileiras. Isay soube interpretar meu desejo”.
Não é de admirar que a Forum possua uma qualidade cinemática inconfundível. ”Ingmar Bergman, Jacques Tati, Luis Buñuel e Andy Warhol influenciaram muito mais minha arquitetura do que Le Corbusier”, observa Weinfeld.
Esta influência é perceptível em seu portfólio. Em uma residência da família Sverner no Jardim Europa, a poucos quarteirões da mansão de Altério, Weinfeld revestiu o corredor do segundo andar com pedra de arenito brasileira, cuja iluminação é proporcionada por uma estreita clarabóia. O efeito, segundo ele, foi inspirado por um corredor no filme de Bergman ”O Silêncio”.
No térreo, projetou portas corrediças de vidro com batentes de pinho em tons de caramelo, criando uma conexão natural entre o ambiente de estar e os jardins.
Weinfeld não é o primeiro arquiteto a buscar inspiração em filmes, mas poucos efetivamente realizaram um filme. Weinfeld e seu amigo Márcio Kogan, arquiteto também atuante em São Paulo, escreveram e dirigiram 14 curtas e um longa-metragem, a comédia ”Fogo e Paixão”. Lançado em 1988, o filme foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte na categoria de diretor estreante, dividido por Weinfeld e Kogan. Para Babenco, o estilo dos arquitetos é ”um misto de Jacques Tati e John Waters; kitsch e, ao mesmo tempo, moderado”.
Graças a um estilo que acrescenta toques brasileiros a amplos espaços modernistas, Weinfeld tornou-se o herdeiro natural de Oscar Niemeyer. Ainda provocador e atuante no Rio de Janeiro aos 95 anos de idade, Niemeyer adaptou o estilo internacional, rígido e frio, de Le Corbusier à personalidade de sua terra natal – acolhedora, sensual, muitas vezes impetuosa – com curvas envolventes e espaços imponentes.
Os projetos de Weinfeld não são tão curvilíneos como os de Niemeyer, mas são igualmente instigantes. A 90 minutos de carro ao sul de São Paulo, na litorânea Tijucopava, Weinfeld construiu uma casa para a família paulista Bitter, dona de uma bem-sucedida tecelagem. O imponente living contém portas de vidro de quase cinco metros de altura, articuladas verticalmente, que se abrem para uma piscina em tom cobalto e uma vista deslumbrante do litoral tropical.
Como designer, Weinfeld se comporta de forma semelhante a um cineasta meticuloso: incansável na busca da perfeição. A pesquisa de mobiliário para seu mais recente projeto, um hotel butique de 69 apartamentos em São Paulo, o levou a viagens de compras ao redor do mundo.
O hotel, um projeto conjunto de Weinfeld e Kogan, é fruto da imaginação de Rogério Fasano, chefe da mais renomada família gastronômica do Brasil, proprietária do célebre restaurante Fasano em São Paulo. Weinfeld conheceu Fasano no restaurante há oito anos, quando tornaram-se amigos.
Para mobiliar o hotel, que receberá o nome Fasano e será inaugurado em abril, vasculharam mercados de pulgas em Londres e Paris, lojas de móveis em Nova York e antiquários em Hudson, Nova York, onde, em novembro passado, encontraram molduras antigas com as quais planejam montar espelhos para os apartamentos. Em Murano, Itália, adquiriram pequenas molduras de vidro feitas à mão para exibir cartões postais do Brasil e Itália. As molduras darão um toque colorido aos modernos, mas aconchegantes, apartamentos, mobiliados em tons marrons, com sofás de couro Florence Knoll com aparência de usados e móveis de imbuia escura brasileira, aos quais Weinfeld dá preferência.
Em Londres, Fasano deparou com um edifício em construção com tijolos que considerava perfeitos para o exterior do hotel. Fasano e Weinfeld rastrearam os tijolos até seu fabricante na Carolina do Norte.
”Isay e eu pensamos da mesma forma”, diz Fasano. ”Queria alguém que pudesse pensar em todos os detalhes”.
Esta obsessão por detalhes atualmente leva Weinfeld a ir atrás de um piano de cauda para ser o foco central do ambiente de estar de Altério. Não qualquer piano de meia-cauda preto e brilhante – mas um de madeira natural para complementar as texturas e materiais da residência de Altério.
Weinfeld ainda não encontrou o piano perfeito. Mas quando encontrar, prevê Altério, ”vamos ter música ao vivo nas festas”.