Isay Weinfeld

Venha viver em Happyland!
Venha sentir novamente o que é felicidade!
Uma cidade que só nos proporcione prazer. É o fim do medo, das angústias… da liberdade. A segurança em primeiro lugar.
Qual a vantagem de ser livre? Andar por aí morrendo de medo? Pois é. Em Happyland, todas estas frivolidades foram abolidas.
Será que existe algum tipo de prazer em você sair de casa, dar a mão para o seu filho e passear calmamente pelo bairro com o seu poodle na coleira? Qual é a graça? Para quê? Para cruzar com os vizinhos insuportáveis na rua? Prá cumprimentar o barbeiro que semana passada fez sem querer aquela barbeiragem no seu cabelo? (Onde já se viu alguém fazer alguma coisa sem querer?) Para observar o horror da arquitetura?
Este modelo de cidade em que as pessoas podem se cruzar nas ruas, se olhar, se conhecer, se enamorar num encontro casual…, este modelo está totalmente ultrapassado.
Em Happyland, não! Isto jamais acontecerá. Você não cruza com ninguém, você não vê ninguém, você não conhece ninguém, você não se enamora, mas também não se ilude, não sofre, não chora e assim é melhor para todos.
Isto não quer dizer que você não possa sair para dar uma volta a pé nos parques, viadutos ou à beira do rio. Há inúmeras lojas no Shopping Center que vendem coletes à prova de balas. E é lógico que em Happyland você não vai ter um poodle, aquele ridículo cachorro decorativo. Mas se você tiver um pit-bull, por que não? Leve-o para passear – sem coleira, evidentemente.
Outra grande vantagem é que Happyland é uma cidade sem história. Uma cidade política e economicamente desassociada a qualquer outra civilização. Uma cidade que não se compromete com ideal algum, ou seja, uma cidade com possibilidades remotas de ataques terroristas suicidas.
Mesmo assim, não houve descuido em seu planejamento:: as “Novas Torres Gêmeas” estão colocadas na horizontal e como a falta de comunicação entre as pessoas é total, não há Correios em Happyland, o que já elimina o risco de contaminação por anthrax.. Já dentro do Shopping Center há uma área reservada para a explosão de homens-bomba. É super bem localizada. Ao lado da praça de alimentação.
Na realidade, a vida em Happyland é muito tranquila. Sabe aquela vidinha pacata, de cidade do interior, que todos nós idealizamos?
Pois bem, assim é em Happyland!
Você sai tranquilamente de um dos magníficos condomínios residenciais, como Le Hameau, Ruínas do Morumbi ou Aerocasa e entra em seu carro blindado. (Não coloque vidro fumê! Seja altivo. Encare o assaltante e deixe que ele veja em quem está atirando.) Se você sobreviver, atravesse o Parque dos Refugiados e siga direto para seu escritório localizado nas “Novas Torres Gêmeas”. Passe o dia dentro de sua sala blindada comunicando-se através de telefones com seus funcionários. Este contato caloroso entre as pessoas, esta confraternização… é isso que dá o tom agradável em mais um dia de trabalho. E aí você pergunta: Se a comunicação é feita pelo telefone, por que se locomover da residência ao escritório? Péssima pergunta a sua: porque assim você sai um pouco, muda de ares comprimidos, vê através de vidros blindados pessoas novas mesmo que sejam desinteressantes… E o mais importante: porque você pode sair de casa de manhã com a certeza de que à noitinha voltará são e salvo. Talvez mais salvo do que são.
Na volta do escritório, não custa dar uma passadinha no Pátio de Desova de Sequestrados, só para ver se encontra algum sequestrado na família – e tendo ou não, siga feliz para casa.
O domingão é dia de levar a família passear de Bateau-Mouche Blindado de manhã, visitar o Salão do Carro-Bomba à tarde e terminar o dia no Shopping Center, numa sessão de cinema. Não para assistir evidentemente àqueles filmes água-com-açúcar, tipo “O Exterminador de Cyborgs”. Afinal a gente vai ao cinema para ver alguma coisa mais forte, impactante, inusitada… para fazer nossa adrenalina subir, alguma coisa totalmente fora do nosso dia-a-dia. Que tal um filme de amor?
Depois desta péssima experiência, vá direto para sua casa e tranque-se várias vezes. Fique confinado. Faça de sua vida, um verdadeiro “reality show”. Mas sem final feliz.
Felicidade é o que já temos de sobra em Happyland.

Isay Weinfeld e Marcio Kogan