RADIOHEAD FAZ ARTE ESSENCIAL, UM SOCO NO ESTÔMAGO

Banda inglesa realiza apresentação impecável e inesquecível em São Paulo

Hoje, quando o tintureiro chegar e perguntar “Tem roupa para lavar?”, vou disfarçar e dizer “Tem não, senhor…”
Da última vez que dei minhas roupas para lavar após assistir a um show do Radiohead, vi no dia seguinte o tintureiro voltar com uma certa melancolia estampada na face… A música deles impregna até na roupa. Não desgruda. Logo após o show, é impossível sequer ligar o rádio do automóvel. Conversar com alguém, nem pensar… Dependendo de quem esteja com você então, é uma ótima desculpa.
Na manhã seguinte você ainda acorda enlevado, perguntando: o que é aquilo que passou ontem por mim com tanta força? Mas erra feio quem reduz estes sentimentos somente à melancolia. Este é só um dos inúmeros calafrios que se sente ao ouví-los ao vivo.
E, a cada música, a viagem te conduz a lugares distintos. Você fatalmente irá se apaixonar palo trabalho deles, se os lugares em que a música deles te levar forem os lugares que você eventualmente gostaria de estar, de conhecer… Se não, não vai gostar.
A música é mágica, enigmática, lancinante, ousada. O grupo se apresenta exatamente como eles são fora do palco. Sem afetação, modismos, superficialidades. Não fazem gênero.
Vão lá, dão o seu recado e, infelizmente, vão embora. E são generosos. Mais de duas horas disso tudo, com uma mistura na medida certa entre som, luz e imagem. Uma completando a outra. Luz e imagem a serviço da música. Nada está lá à toa, para chamar a atenção. Tudo na medida certa, elegante. Um show impecável, inesquecível.
Difícil destacar alguma música (apesar de minha paixão por “Videotape”). Nem as mais antigas parecem deslocadas no contexto geral do show. Thom Yorke, gênio encantado, cantor excelente e absurdamente carismático, te conduz com segurança e uma pontinha de satisfação a uma outra dimensão. Depois, fica muito difícil voltar… Nosso mundo aqui é bem mais chatinho.
Só fico um pouco incomodado quando leio que Radiohead é uma banda de rock. Ser só uma banda de rock certamente não é pouca coisa, mas eles vão muito além. Muito além…
Evidentemente que estas são sensações muito particulares. Mexe com um, não mexe com outro. Só estou querendo dizer que este grupo de cinco rapazes, amigos de colégio, se juntou e misturou letra, música, técnica, performance, luz e imagem de uma maneira que me inquieta, me transtorna.
É arte. Pura, essencial. Um soco no estômago. Ed, Colin, Jonny, Phil e Thom, quero acreditar, conspiraram com a intenção de me fazer levitar com sua música. E eu, daqui de cima, vejo uma galera saindo do show tarde da noite… tranquila. Feliz.

Folha de S.Paulo
Ilustrada
24 de março de 2009

Isay Weinfeld Isay Weinfeld