Só Christo pode salvar a arquitetura de São Paulo
Além de ser a mais feia, São Paulo é a cidade mais engraçada que conheço. Sua maior piada é a arquitetura. Uma arquitetura que não emociona mais, mas por incrível que pareça, ainda se comunica: é tão ridícula que faz rir. Evidente que não é o sorriso inteligente e, sim, a gargalhada fácil. A começar por seus variados estilos arquitetônicos: utopista, vernacular, pós-modernista, burocrático, erótico, messiânico, fundamentalista, cibernético, neo-fascista, metafísico, etc.. A arquitetura de São Paulo é muito parecida com a de Epcot Center, no mau sentido, é claro.
Aqui também há edifícios representando países civilizados. Os de inspiração e nomes franceses, em estilo neo-clássico, fazem com que seus moradores se sintam em Paris. Nada como sair de um dos apartamentos e entrar num desses restaurantes com nome francês à porta e continuar imaginando que lá dentro se serve algo parecido com a comida francesa.
Continuando neste mundo da fantasia, vemos as sóbrias e elegantes fachadas dos edifícios em estilo inglês. Temos a nítida sensação de estar em Londres. Se seu edifício localiza-se perto da Praça Roosevelt, experimente andar até lá e se sentirá em Hampstead Heath. O único problema, talvez, esteja em não encontrarmos uma só tulipa no local, mas afinal, quem é que precisa delas?
Se seu edifício, no entanto, estiver na região dos Jardins, caminhe até a marginal do rio Pinheiros tentando localizar de qual das janelas Turner pintava. Isto sem falar nos edifícios com grife, a “Maison” de algum costureiro internacional, ideal para quem veste Pucci, Ricci, ou Gucci, cuja arquitetura consegue ser pior do que seus modelos de alta costura.
Mas para quem já estava farto dos cantos arredondados dos edifícios em estilo mediterrâneo que assolaram nossa cidade, observa-se a proliferação dos pontiagudos, onde não há uma só parede em ângulo reto. Dormitórios, salas, cozinhas e banheiros são agora cheios de bicos, cantos chanfrados e pontas. Todo o mobiliário tem que ser repensado para caber nestes espaços triangulares. Cristais de bico de jaca e roupas de ponta de estoque são bem-vindos. Se os moradores forem privilegiados, verão implantados defronte ao seu apartamento um desses precisos relógios digitais de rua também em formato chanfrado, fazendo “composé” com a arquitetura.
O príncipe Charles da Inglaterra, que já havia demonstrado toda a sua sensatez ao escolher Rita Lee como sua cantora de rock favorita, investiu sabiamente contra a arquitetura moderna, perguntando: “Se um edifício não pode se expressar por si mesmo, como poderemos entendê-lo?”
Às vezes, a pobre da arquitetura tenta falar, mas parece que ninguém quer ouvir. Senão, vejamos as clínicas de cirurgia plástica que temos na cidade. É só repararmos no horror de suas fachadas. O que estes cirurgiões não farão nos rostos das senhoras que os procuram, se foram capazes de cometer tais atrocidades nas fachadas de suas clínicas?
Há também aquelas obras que querem se exprimir, mas não conseguem, ou então aquelas cujos projetos conseguem falar, mas só dizem bobagens. Nestes casos, a solução seria pedir ao Patrimônio Histórico que, além de continuar tombando as raras obras que merecem ser preservadas, tombem todo o resto, no verdadeiro sentido da palavra.
Se isto, enfim, não for possível, só nos restará rezar. Pedir a Christo que nos salve. O búlgaro, evidentemente.
Folha de S.Paulo
Ilustrada
27 de agosto de 1991