Seção Arquitetura | Perfil
NO PALCO DA VIDA
A arquitetura brasileira tem mais a oferecer do que os dramas em concreto de Oscar Niemeyer – por exemplo, as casa brancas de veraneio de Isay Weinfeld
Texto de Carmen Stefan
É difícil dizer quantos filmes que passavam pela cabeça de Isay Weinfeld quando fez o projeto desta casa. Um deles devia ser um thriller: ao entrar na residência Bitter prende-se por um instante a respiração. No lugar onde naturalmente deveria estar o vestíbulo, estende-se de repente um gramado de 30 metros de comprimento, como um campo de golfe, cercado por palmeiras. Somente lá na frente, após o gramado, abrem-se as grandes portas envidraçadas da casa, através das quais ouve-se o barulho do mar. “Assim como o cinema, a arquitetura tem que provocar emoções profundas – pode ser medo, ou um sorriso”, comenta Isay Weinfeld, a nova estrela da arquitetura brasileira, festejado recentemente em matéria extensa do The New York Times. A família Bitter, do ramo têxtil de São Paulo, sonhava com uma casa na verde e exuberante praia de Tijucopava; para eles Weinfeld projetou uma casa que parece um enorme iate branco pronto para levantar âncora. Os Bitter, assim como o cineasta Hector Babenco (“O Beijo da Mulher Aranha”), a atriz Carolina Ferraz e Fernando Alterio, “Mr. Showbiz”, que produz as apresentações de Caetano Veloso e Gilberto Gil, todos queriam uma casa de um arquiteto que conhecesse e entendesse o seu mundo. Afinal Isay Weinfeld dirigiu, ele próprio, muitos filmes e montou muitas peças de teatro. Além disso, desenha também móveis e, não se furta ao contato com moda e estilo: “Me interessa muito mais saber o que Paul Smith está desenvolvendo neste momento do que ver o que os outros arquitetos estão construindo”.
À primeira vista, Isay Weinfeld chama atenção pela discrição. Camisa xadrez e pulôver escuro. Tem 50 anos e caminha silenciosamente como um monge – mas não se esgueira. Ele tem uma fisionomia da qual não se esquece tão facilmente, uma combinação de Jean Reno e El Greco. Weinfeld mora no 9º andar de um prédio de apartamentos em São Paulo, no meio do caos organizado. Uma mesa vinda de um palácio francês, grama de plástico de Nova Iorque, um armário de madeira maciça brasileira – o arquiteto tem um gosto bem diversificado, no entanto, tudo parece estar no lugar certo, sem conflitos. Weinfeld mostra um quadro de sua artista favorita, Mira Schendel, nascida na Suíça: dois planos brancos e num pedacinho, um risco preto aparentemente sem importância. “Imagine tudo o que está por trás deste quadro para se poder chegar a uma expressão tão sintética. Procuro fazer exatamente o mesmo na arquitetura”. Ele projeta formas puras quadradas, ambientes amplos, corredores longos dos quais não se sabe onde vão levar. Weinfeld não faz uma encenação do minimalismo – a pureza simplesmente está lá em suas casas. Gosta de materiais incomuns, mas apenas os utiliza quando fazem algum sentido. Na loja da marca FORUM em São Paulo, por exemplo, atrás do balcão do bar que fica de frente para o topo da escada de mosaicos de vidro vermelhos, construiu uma parede de taipa, igual àquelas que os índios do norte do Brasil constroem para suas cabanas. “Em suas criações, Tufi Duek, o criador da FORUM, se inspira em elementos típicos do Brasil, na Bossa Nova ou no Carnaval. Quis assimilar esta referência também nesta loja”.
Isay Weinfeld é um notório perfeccionista. “Se os clientes deixarem, entrego a casa com tudo incluído, até os botões dos interruptores, só então a casa estará pronta, a meu ver”. Na residência Bitter o puxador da porta principal tem a forma de uma concha, um legítimo Weinfeld. Assim como na residência de Fernando Alterio, o centro da casa Bitter é formado por uma imensa sala de estar com mezanino, de onde se pode contemplar o movimento em baixo. Essa idéia remete a Walter Benjamin, que vê a casa como uma caixa dentro do teatro do mundo, um espaço cênico. Ou, nas palavras de Weinfeld, “Nós somos atores em nossa vida, por isso precisamos de um set de filmagem. E este lugar é a nossa casa”.
Isay viaja muito à procura de inspiração para projetos como este. Foi para Suécia, por exemplo, pois tendo assistido a inúmeros filmes de Ingmar Bergman, conhecia o país só em preto e branco, e ele queria conhecê-lo em cores. Foi para Nova Iorque apenas para assistir numa noite ao show da banda inglesa Radiohead que ele adora. Pretende visitar Lübeck, só por causa de Thomas Mann. Tais encontros colaboram, cada qual com sua parcela, na concepção de sua arquitetura: Isay Weinfeld está sempre à procura de associações que ele emprega em seus trabalhos. Isay quer transmitir este tipo de percepção também para os quinze arquitetos que trabalham em seu escritório: “É fácil aprender a técnica na arquitetura, mas o olhar não”. Certa vez Weinfeld tocou em seu escritório em alto volume a música “Motion Picture Soundtrack”, do Radiohead,. “Isto lembra algo para vocês?”, perguntou aos funcionários. Todos balançaram a cabeça, perplexos. Para Weinfeld a peça representava a transcrição musical de um ambiente desenhado por ele, uma discoteca com um salão inteiramente preto, e muitas pequenas luzes atrás de blocos coloridos. “A música tem as mesmas cores, o mesmo ritmo como no projeto”, havia percebido o arquiteto.
Sob a janela do apartamento de Weinfeld há um pequeno parque, cercado por enormes prédios de apartamentos, prestes a ser engolido por eles. “São Paulo é uma das cidades mais feias do mundo, isto faz com que ela seja tão especial”, comenta Weinfeld, filho de imigrantes poloneses. “Nesta cidade é fácil esquecer que se vive num belíssimo país tropical. Aqui há muita sujeira, e às vezes, enfrentamos as quatro estações em um único dia”. No ano que vem, Weinfeld fará pela primeira vez um projeto na Europa, um pavilhão de exposições em Bolonha. Ele acha que o lugar não fará grande diferença. Mais que o lugar importa para ele o dono do projeto. “Um conhecido meu é extremamente ‘kitsch’ e ele terá uma casa ‘kitsch’”, diz Weinfeld rindo. “Uma casa é a transcrição da vida das pessoas em quatro paredes. Por isso, o arquiteto é apenas um por cento arquiteto e noventa e nove por cento psicanalista”.
Para o italiano Rogério Fasano Isay Weinfeld pode ser cem por cento arquiteto, pois eles são amigos de longa data. Os Fasano são a família mais famosa da gastronomia brasileira, seus restaurantes estão entre os mais finos do país. Ainda neste semestre, Weinfeld e Fasano concluirão em São Paulo um exclusivo hotel com sessenta quartos. Nos últimos anos viajaram juntos pelo mundo para comprar mármores na Itália e molduras antigas em Nova Iorque. O lobby do hotel terá oitenta poltronas em estilo inglês, duas lareiras e um bar. Este espaço não estará reservado apenas para os hóspedes e seus drinks, pois a verdadeira função do edifício só se revela quando se contorna um painel de cabreúva escurecida atrás do qual fica a recepção do hotel.
Isay Weinfeld está jantando na “Forneria San Paolo”, na rua Amauri, um projeto também feito em conjunto com Rogério Fasano. “Devemos ter provado umas cem pizzas na Itália até achar a certa para São Paulo”, comenta o arquiteto, que desenhou também as luminárias e ajudou a escolher o uniforme dos garçons. “Tudo deve combinar para formar um conjunto”, diz o arquiteto. Neste momento, começa a tocar “Karma Police” do Radiohead. De repente, Weinfeld parece totalmente absorto – provavelmente já está desenhando em pensamento o próximo palco de vida.